A história das mulheres no judô brasileiro foi marcada por muita resistência, com proibições e rupturas e, finalmente, com a superação e vitórias. A participação nos primeiros eventos competitivos de judô, demonstraram a determinação que elas teriam que ter para dar início a caminhada que, 32 anos depois, trouxe um dos melhores resultados de todos os tempos para as brasileiras, neste esporte.
A trajetória das pioneiras do judô de alto rendimento brasileiro começa ao final dos anos de 1960 e início dos anos de 1970, embora muitas anônimas tenham começado a prática do judô já nos anos 1950, mas sem visar competições.
O que muitas delas não sabiam era que desde 1930, médicos eugenistas orientavam que as mulheres deveriam se exercitar apenas através de esportes que valorizavam a beleza, plasticidade e contribuíssem para a “boa maternidade”.
Entretanto, as filhas dos professores de judô e mulheres curiosas por praticar uma arte marcial, acabaram aderindo ao judô sem nem mesmo saberem destas orientações, ignorando a cultura vigente.
Foi o caso de Eiko Suzuki, em São Paulo, primeira faixa preta da América Latina, em 1963, e Léa Linhares, gaúcha, primeira faixa preta do Sul do Brasil, em 1969, ambas não tiveram suas faixas reconhecidas pela Confederação da época.
O que antes era orientação dos médicos eugenistas, se tornou um decreto-lei em 1941, onde dizia que esportes como futebol, levantamento de peso, lutas, dentre outros não eram compatíveis com a feminilidade esperada da mulher.
O fim do decreto-lei veio com a participação de uma equipe de quatro mulheres judocas no campeonato Sul-americano de Montevideo, em outubro de 1979, de forma escondida do governo brasileiro, uma vez que não seria permitida a saída do país para esta participação.
Ao retornarem do evento com as medalhas, somado a uma série de acontecimentos políticos em defesa dos direitos das mulheres, o decreto-lei foi revogado, em dezembro do mesmo ano. Esta subversão dos dirigentes da época deu início a tortuosa caminhada do judô feminino no alto rendimento.
Para o primeiro campeonato brasileiro em 1980, os Estados brasileiros deveriam selecionar as atletas que os representariam. Em muitas destas competições estaduais o número de atletas surpreendeu, deixando de fora muitas mulheres que depois, ano após ano, foram disputando vagas na seleção brasileira para sul-americanos, pan-americanos e mundiais.
As judocas não faziam ideia da quantidade de mulheres que já praticavam o judô por todo território nacional e muitas delas não sabiam que, menos de um ano antes, este evento seria proibido por decreto-lei.
A primeira equipe feminina que disputou o primeiro campeonato mundial de judô nos Estado Unidos, na cidade de Nova Iorque, foi composta pelas primeiras campeãs brasileiras de judô: Gislene Aparecida Lamano (SP), Iara Cunha (RS), Solange Almeida Pessoa (SP), Heliana do Carmo (SP), Ângela Cruz (BA), Helena Cristina Guimarães (BA), Soraia André (SP). Neste mundial, participaram 153 mulheres, de 28 países dos 5 continentes.
Aos poucos as brasileiras começaram a participar de eventos internacionais e, para isso, as lutas começaram a acontecer fora dos tatames também. Além dos problemas já enfrentados por todos os atletas, como falta de infraestrutura e de patrocínios, as mulheres judocas enfrentaram lutas contra preconceitos, estereótipos e silenciamentos.
Elas foram impedidas de competir em outras edições de campeonatos mundiais, tiveram o direito de competir em eventos internacionais cerceados pela própria gestão brasileira, mas nada foi suficiente para diminuir a determinação destas judocas.
Na virada do século, de 2001 em diante, a mudança da gestão da Confederação Brasileira de Judo, as Leis de Incentivo, Bolsa atleta e outras ações governamentais em favor do esporte deram às novas gerações de judô um cenário inimaginável para as pioneiras, com equipes multidisciplinares, investimento separado para o judô feminino, dentre outros que alavancaram a qualidade do judô feminino de alto rendimento.
O caminho que começou com as pioneiras, levou 28 anos até que as mulheres pudessem subir ao pódio olímpico, com o terceiro lugar de Ketleyn Quadros, em Pequim/2008, e quatro anos depois ao ouro olímpico, com Sarah Menezes em Londres/2012.
Fica marcado nesta trajetória que as pioneiras do judô feminino brasileiro quebraram paradigmas e foram as responsáveis pela sua legitimação no cenário do judô brasileiro. Elas pavimentaram uma estrada de sucesso para que a atual geração pudesse usufruir de uma estrutura que desse condições para a conquista de resultados significativos em todos os níveis de competição.